quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Lágrimas de chuva

Ela deambulava pela aldeia dos homens cegos, cegos, não por não conseguirem abrir os olhos, ou tão pouco, por conseguirem, mas verem tudo preto. Cegos apenas por não terem olhos, no lugar que devia ser deles, duas fundas crateras, onde a água da chuva se depositava, e a isso chamavam lágrimas.

Há medida que Ela ia avançando em passos solenes, apenas comédias se precipitavam. Um, tal era a abstracção que Ela causava, tropeçou do andaime, deu 3 cambalhotas no ar, para a seguir cair no chão a nem meio metro Dela, tendo-a até feito espirrar com o pé, ele, partiu a coluna em 3 sítios e nunca mais a cama largou. Outro de tanto olhar para Ela, ficou 2 anos com um torcicolo durante dois anos, até que, de tanto olhar para a direita, foi atropelado por um camião que vinha da esquerda. Outro ainda que tanta foi a paixão e profundíssimo amor, ao vê-la, ficou com uma tal erecção que passou a ter que dormir de lado ou mesmo de costas, e quem agradeceu, foi a maria. Houve ainda mais um que quando se precipitava a correr para a violar, ali mesmo, na esquina da segunda rua mais importante da aldeia, tropeçou numa casca de banana, e como, por azar dos azares, partiu os dois dentes da frente e ainda ficou com o nariz entortado, assim, como já não estava bonito o suficiente para a violar, foi-se matar para a esquina da rua mais importante da aldeia. E por fim, os outros dois, que, depois da desistência do outro idiota que se matou, se precipitavam, também eles para a violar, envolveram-se eles mesmos à porrada, que isto à Coisas que não se partilham, assim, um acabou por matar o outro, mas não sem este antes lhe ter arrancado o pénis à dentada.

Imediatamente depois, Ela acabou por deixar a Aldeia, e seguir para não sei bem onde, com os mesmos passos solenes com que tinha entrado. Quanto a elas, as viúvas e a maria, todas, claro, também com crateras em vez de olhos, choravam alto lágrimas feitas de chuva.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

No comboio

Ela dormia aninhada no comboio com duas camisolas já bastante usadas a servirem de encosto para a cabeça, tinha a esconder os olhos uns óculos de sol de ar de produção em série, e os calções curtos que usava permitiam reparar nas muitas picadas de insectos que tinha nas pernas de tez quase branca e nas quais sobressaiam algumas manchas de creme ainda mais brancas que a sua pele e que tapavam e talvez aliviassem o ardor de algumas das picadas. Tinha as unhas todas pintadas de vermelho mesmo as duas unhas dos dedos mindinhos dos pés as quais juntas não teriam mais de dois milímetro quadrado de área.

Sim é verdade, à quem diga que ter uma tez morena é que está na moda, que enroscar-se daquela forma num comboio não mostra civismo e bom senso, que se continua a deitar-se assim muitas vezes daqui a uns tempos está mas é com uma escoliose nas costas, que pintar assim de vermelho todas as unhas, até as mais ínfimas unhas dos mindinhos dos pés não tem qualquer assunto ou substrato, que talvez tenha um feitio mesmo difícil e até mesmo inquebrável, que pelo menos podia ter tido o feminino cuidado de espalhar adequada e homogeneamente o creme para as picadas, e que, mais que isso, eu agora nem os olhos lhe via, tapados que estavam por aqueles óculos de produção militar, e por fim, o mais grave de tudo, depois de tanto escrever, ousei não dizer sequer se Ela era bonita ou feia, e se afinal as pernas Dela eram ou não bem torneadas e encantadoras, pois bem, a beleza tem a particularidade de esconder e afastar os defeitos, as imperfeições e a barbárie, senão para sempre, por quanto tempo baste.

domingo, 13 de março de 2011

Desenrasquemo-nos

Um dia, os jovens deste país, e não só deste país, vão mesmo insurgir-se, vão ser propostas, e mais do que propostas, exigidas mudanças. Vão olhar para um indivíduo de 50 anos num Porche, e ao invés de acreditarem que com trabalho, ou de qualquer outra sonhadora forma, também poderão ter um carro daqueles, vão sentir que têm o futuro hipotecado e previamente escrito e condicionado por alguns dos senhores que agora andam de Porche, e aí vão exigir que a cilindrada dos carros dos papás da crise diminua consideravelmente.
E mais que isso vão perceber que se querem escrever o seu próprio futuro, têm que riscar o que foi escrito, e aqui reside alguma ironia, porque dentro de não muito tempo, vão ser os próprios jovens a exigir que se reformule o serviço nacional de saúde extremamente dispendioso e mal organizado que temos, porque pelo menos neste momento o país não tem dinheiro para tal, que as reformas dos deputados deixem de ser vitalícias ao final de poucos anos, e que a frota de carros de uma pequena elite que come lagosta ao almoço, seja constantemente renovada com o dinheiro dos nossos impostos, que se reduzam e muito as pensões e reformas a partir de um certo montante, e fá-lo-ão porque estão dispostos a encarar uma longa vida de trabalho, a troco de um qualquer razoável emprego e salário, que não lhes leve embora o desejo e a esperança.
Mas, e para não corrermos o risco de os sacrifícios e da crise que já enfrentamos e pagamos todos os dias serem em vão, e caminharmos assim para sacrifícios cada vez maiores, salários cada vez mais baixos, e qualidade de vida cada vez menor, temos que fazer algo mais. E temos que fazê-lo porque a verdadeira revolução está a acontecer em países como a China, eles têm uma mão-de-obra cada vez mais qualificada, que ganha salários, bem mais baixos que os nossos, e que trabalham bem mais horas e fins-de-semana e feriados que nós, e mais que isso não se queixam de assim ser.
E enquanto quem nos governa luta taco a taco contra os juros cada vez mais altos e ridiculamente insuportáveis, vai adiando a entrada do Fundo Monetário Internacional(FMI) no país, tenta não abrir falência e vai colocando de forma mais ou menos discreta um letreiro a dizer vende-se bem no rabo do país, nós vamos ter que resolver o problema, porque afinal, o futuro somos nós. E se não queremos tornar-nos iguais a quem ganha salários de miséria, para trabalhar sem parar, e no fim agradecer, a uma sociedade que os maltrata, obscurece e apenas exige e adormece, e para quem a vida humana tem um valor residual e patético, se não queremos tornar-nos iguais a eles, ou melhor se ainda não nos tornámos nós em tal, temos que fazer com que eles, aqueles que nunca erguem a cabeça, ganhem esperança, coragem, desejo, e uma profunda necessidade, de por uma vez viverem como nós vivemos, amarem como nós amamos, e quererem como nós queremos, e para isso basta sermos Europeus. Basta sorrir quase sempre, encher ruas, vilas, aldeias e cidade, ajudarmo-nos uns aos outros, viajarmos uns com os outros e ficarmos na casa uns dos outros, divertirmo-nos juntos, correr a Europa e o Mundo, e ir tirando fotos inacreditáveis com pessoas memoráveis para celebrar momentos inesquecíveis, e partilhar tudo isso, passar a mensagem boca a boca, por carta, por email, por facebook, por twitter, e ir gritando bem alto apenas através do olhar irreverente de quem sonha. Afinal de contas, ser jovem, da única forma que se pode verdadeiramente ser jovem, que os outros, aqui perto ou lá longe, quando souberem, hão de querer veneno igual.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A escolha é nossa, a escolha é Nobre

Se dia 23 votarmos Cavaco, o PSD e o CDS vão festejar, se votarmos Alegre o PS e o BE vão festejar, se votarmos Francisco Lopes o PCP vai festejar, se votarmos Fernando Nobre vão todos reflectir, e talvez algo mude. A mudança nunca deve ser uma promessa de alguém, mudar mudamos nós quando quisermos, sem promessas, sem gritos, sem medo, com acções, com convicções, com votos.
Sou céptico por natureza, e mais que confiar em palavras bonitas, em reportagens comoventes, ou em promessas sentidas, confio na história, e a história mostra-nos que se um Homem não tiver ou sangue azul, ou um exército sanguinário, ou um partido politico a apoiá-lo, nunca representará um país. Felizmente para mim, e infelizmente para o meu cepticismo nato, nasci no país e no seio de um povo que provavelmente mais vezes já rescreveu a história, e que pode começar a rescreve-la de novo dia 23. Nenhum analista político o espera, nenhum partido o deseja, nenhuma das já célebres agências de rating sabe como reagir a isso, e nós, apenas nós, sabemos que pode acontecer, e mais singular ainda do que poder acontecer, depende de nós para acontecer.
Meus caros, não vai ser fácil, nada que dependa de nós é fácil, mas se for necessário, vamos fazê-lo, e só é necessário se realmente acontecer. Os partidos políticos pedem para não o fazermos, a comunicação social diz para não o fazermos, o comodismo implora para não o fazermos, o coração não sei o que vos diz, mas por uma vez façamos algo de acordo com a razão, com a nossa razão, porque a razão não é mais do que aquilo em que mais profundamente acreditamos.
O que nos dizem todos os dias é que somos um povo derrotista, falido e com o Fundo Monetário Internacional (FMI) à porta, e que aquilo que precisamos é de um presidente que de preferência esteja profundamente ligado com um dos partidos que mais anos esteve no governo. O que não nos dizem, o que as agências de rating que lucram à nossa custa todos os dias parecem não querer ouvir, e o que lhes podemos dizer bem alto dia 23, é que já caímos e nos levantámos muitas vezes, que já demos novos mundos ao mundo, que já passámos e continuamos a passar por grandes sacrifícios e mesmo assim quando vemos alguém, alguns ou muitos que precisam de ajuda ajudamos sempre, que nos cansámos de seguir um caminho em que os interesses partidários valem cada vez mais e nós cada vez menos, que não queremos apenas pertencer à história, queremos escrevê-la desta vez.
Não critico nem enalteço a seriedade, competência ou percurso de vida de nenhum dos candidatos, não sou graxista nem piegas, quase todos estamos com “a corda ao pescoço” e mesmo assim aguentamos firmes de pé, todos os dias os partidos políticos fazem queixinhas uns dos outros, e, quais miúdos de infantário, nunca assumem culpas próprias, por isso é dever de quem está farto dizer basta. E mais que isso vou votar Fernando Nobre porque é um Homem em quem acredito, e isso para mim chega, chamem-me jovem, chamem-me louco, chamem-me sonhador, chamem-me Português, mas para mim liberdade ainda é votar em quem acredito.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Peso

Chegou o fim,
Não como os velhos o anunciam,
Mas quando a conheci,
A vida é uma eterna espiral,
E o fim que vivo,
Não é o fim da vida,
É o fim é o fim,
Não é a distância que importa,
Não é o peso que pesa,
Foi de longe que vi,
Que as estrelas não pesam,
É de perto que vejo,
O que nunca ninguém teve,
E é assim assim que sei,
Que o peso só pesa a quem se pesa,

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Espelhos

Dizem que os olhos são os espelhos da alma, mas às vezes uma alma tem tanto e um olhar diz tão pouco, por isso se inventou a palavra escrita e falada dizem-me então, mas há tantas mentiras que elas nos ajudam a dizer, e tantas verdades que elas nunca servirão para contar. Dizem-me que mais que isso apenas temos o tempo, e nessas palavras sábias eu julgo perceber, quantos belos poemas e poderosas palavras já o tempo escutou, quantos profundos olhares ele já apadrinhou, e quão intransigente a ignorância Humana continua, perpetuando-se, apenas o tempo sabe a verdade, a verdade que nós lhe contámos.

Fim de ciclo

Amanhã é o meu último dia de aulas do curso, agora vêem as férias de Natal, depois os exames, o estágio, e a tese no fim, depois acaba. Este semestre foi o que me pareceu passar mais rápido dos meus tempos de estudante,tudo uma questão de perspectiva, porque as horas duram todas o mesmo, e a vida de estudante é quase sempre boa, mas quando ela acabar, vou precisar de tempo para pensar, consolidar, e avançar, por isso quando este ciclo acabar, vou viajar, fazer qualquer coisa de diferente, uns meses pelo menos, o quê, para onde, o que for, onde tiver que ser.